02 outubro 2006

Maratona Vale do Vouga - Relato

O dia da maratona começou cedo. Muito cedo. Tão cedo que ainda era o dia anterior. Fui conhecer o caminho de casa até lá, levantar os dorsais e tentar perceber onde estacionar, no Sábado.


Já no Domingo, a alvorada teve lugar às 5:30. A constipação estava mais agressiva e passei quase uma hora a espirrar. Praticamente à hora marcada apareceram os dois companheiros de aventura: o Gil no seu enorme furgão e o Carlos. E lá foram os três "gandas maluques", às 6:30 da manhã de um chuvoso Domingo, vestidos de licra e cheios de expectativa.
Quem por acaso nos tiver visto, ou também ia para uma prova destas ou deve ter feito uns comentários curiosos...

Chegados ao local, constatamos que éramos praticamente os primeiros. Estacionamos onde e como nos deu mais jeito, apenas preocupados com a possibilidade de ficarmos "presos" pois o Carlos tinha que regressar a casa cedo. Colocamos os dorsais, tomamos café, cumprimentamos muita gente, experimentamos uma espécie de adrenalina de antecipação... Vimos muitos muitos sorrisos. Muita gente contente, molhada e cheia de "pica" para começar.

E, pouco depois das 9:00, começou mesmo!!!
Uma volta pela freguesia, para o povo apoiar os atletas e ver as bicicletas a passar e toca de entrar no mato.
Ainda bem que a chuva parou, pensei. Perdi, logo na partida, o Carlos de vista. Deixei-o ir sossegado porque me pareceu que uma âncora não lhe dava grande jeito. :-)

50 metros depois de entrar nos trilhos ouço um bem sonoro FILHA DA PxTx!
Levantei os olhos e vejo o primeiro contratempo do dia: um furo! Uns metros à frente: outro furo... esta imagem havia de repetir-se bastante durante os primeiros 5 km's. Nunca pensei que fosse possível, em tão pouco tempo, ver tanta gente encostada. Uma corrente partida estragou a participação a uma das atletas femininas. E o barulho que algumas correntes já faziam não deixava dúvidas: vai ser uma semana em grande para os mecânicos. Desviadores a não desviar, sapatos a não encaixar, pedais a partir... vi e ouvi de tudo.

E porquê? Porque esta foi a maratona do festival de lama.
Havia uma lama espectacular para o belo do malho. Sensacional para o espalhanço. Era ver as rodas a patinar, os participantes a "rabiar", tudo a escorregar e o equilíbrio a ser uma nova forma de arte. Principalmente nos primeiros km's em que a aglomeração de bicicletas era maior.

Apesar de uma partida relativamente perto da cabeça do pelotão, surpreendi-me ao ultrapassar vários participantes e conseguir manter-me relativamente à vontade. Claro que, com tanta gente nos trilhos, se notava alguma falta de prática em partilhar a largura disponível. Quem lá esteve reparou com certeza neste maçarico.

Pouco tempo depois das primeiras picadas, feitas a pé mais uma vez pela aglomeração de concorrentes, comecei a ceder posições. Estava nesta fase ainda preocupado com a minha forma física e com o facto do terreno estar muito pesado e isso se notar no cansaço que apareceu muito cedo.

Mas estava a adorar. Era tudo o que eu estava à espera.
A lama que eu adoro foi um incentivo extra e, passados os 5 km's iniciais de "aquecimento", comecei a ficar mais confiante e a "curtir" o passeio.

Os trilhos eram uma maravilha. Apanhei dois sustos, um maior do que o outro, em outros tantos "buracos". Pareciam half-pipes de um qualquer skate parque. Quem não conseguisse subir com o lanço, não sei como faria. Também não sei como é que eu fiz, acho que fechei os olhos e me lancei ao obstáculo... correu bem e, quando na volta lá passei outra vez, já parecia um profissional...

A lama era interrompida nesta fase apenas por mais lama e por poças de lama líquida.
O pelotão começou a esticar e já era mais fácil andar nos trilhos e ceder a passagem ao pessoal.

Ao km 18 o abastecimento.
Num sítio impecável, um abastecimento para ninguém "botar" defeito: água, maçãs, bananas, barritas diversas e até óleo que me foi muito útil nos pedais.

Nesta fase eu já estava provavelmente perto da posição que viria a ocupar no final. Já havia menos ultrapassagens. Mas encontrei, ou melhor, fui encontrado por um conhecido. Fizemos uma parte do caminho a seguir juntos mas pouco depois da escolha entre os 80 e os 40 km's acabei por ficar sozinho pois as pernas já pesavam bastante e estávamos a pedalar para o ponto mais alto da prova. A partir daqui fiquei sem conta quilómetros o que foi bastante chato porque não sabia quanto faltava.
Pedalei sozinho imenso tempo, por trilhos, po
r mais lama, por descidas e outras picadas. Pensei que era o último. Afinal, fui apanhado por alguns atletas. Depois eles seguiram e eu voltei a ficar sozinho. Aqui já estava em esforço. As dores nas pernas eram já bastantes e as caimbras apareceram em força. Mais isostar, mais uma barrita, mais água e toca de pedalar.

Depois... caí!
Caí por cansaço, por não ter atenção suficiente. Entrei em mais uma poça com a mudança demasiado pesada, não consegui corrigir... parei e "encostei ao chão"! Curioso o comentário do atleta que me viu nesta situação: "Então você decidiu tomar banho agora? Isso é só no fim!"

Lá segui em esforço e fui apanhado por outro atleta que acompanhei até ao último controlo.
Enquanto íamos juntos, tivemos um momento engraçado: passamos por um indivíduo que ia na sua bicicleta pelo caminho e nos diz: "virem aqui... virem aqui que é mais rápido!". Sorrimos e seguimos as indicações apenas para o tornar a encontrar mais à frente. "Eu bem vos disse". Ainda nos rimos um bocado com a situação e respondemos: "E se estivesse ali o controlo?" ... " Ahhh isso é mais ali a diante" foi a resposta. eh eh.

Depois segui sozinho novamente, sempre a negociar o equilíbrio por causa da lama e por causa das fantásticas descidas. Travar aqui era por vezes uma aventura. Fiz, de raiva depois de ter caído, uma curva a descer sempre em "slide" que acho que nunca mais consigo repetir!

Os regos de água acrescentavam dificuldades ao já de si técnicos trilhos. Por várias vezes desejei ter uma máquina de suspensão total, mas mais nas áreas em que o piso me martelava as costas e obrigava a pedalar de pé. Mas a cabrita portou-se de forma a calar estes pensamentos, pois não houve obstáculo que não fosse negociado com sucesso e confiança. Mesmo os derrapanços nas descidas. Várias vezes tremi ao passar em pedras e em curvas acentuadas e cheias de marcas de água, apenas para sorrir quando ultrapassava o obstáculo.

Já perto do fim, um dos momentos do dia: numa casa à face do caminho, dois miúdos pequenos estavam, deliciados, a ver passar as bicicletas. O mais pequeno perguntou-me: "Estás cansado?". "Estou", disse-lhe eu. "Muito ou pouco?". "Muito". "Ahhhh" responde ele e olha para o irmão [?] com ar de quem ganhou uma aposta e estica-me o braço com o polegar para cima e um grande sorriso.

Daqui até ao fim, não houve grande história. Apenas me passou a ideia de que era o último porque passei por alguns participantes que estavam claramente em situação de muito esforço.

Nesta fase reparei em algo que me alegrou. Vi muito pouco lixo. Quer lixo deixado por vândalos nos trilhos tipo lixeira quer lixo da própria maratona. Pouca gente deitou para o chão a prata da barrita ou a garrafa da bebida. Senti-me agradecido a todos por isso. Apesar de ainda haver alguns idiotas, parecem estar em extinção.

Depois de passar a meta estava estourado mas MUITO contente. Procurei o Carlos, que encontrei já a arrumar a bike e a preparar-se para ir embora. Lavei a cabrita, fui tomar banho e comer. Esperei pelo Gil, que fez os 80 km. Perguntei o meu lugar: 174º [249 à partida para os 40km] em 3:27'. O Gil ficou em 70º nos 80 km. Já não ficamos para a entrega dos prémios nem para o sorteio. Seria demasiado tarde para quem tem dois putos e uma mulher em casa à espera.

Entretanto, enquanto esperava pelo Gil outro momento que eu não esperava.
Uma senhora, de avançada idade, estava um pouco atarantada com o movimento. À minha passagem perguntou: "Então já acabou a festa?". "Não... Ainda vai continuar."..."De onde vem tanta gente?"... "De todo o País... Do Porto, de Lisboa, de muitos sítios..."..."Ninguém se magoou pois não? Isso é que é importante!!". E ali ficou, a ver "a festa".

Hoje, enquanto escrevo este post, chego a uma conclusão engraçada: trabalhar faz doer as pernas. Ontem acabei a maratona cansado mas sem dores e hoje venho de trabalhar com o corpo bem dorido.

Fiquem bem,
Lumitoca

PS:
Um último comentário para a organização. ESPECTACULAR. Foi a minha primeira participação mas a quantidade de gente nos trilhos, nos cruzamentos, os controlos, o abastecimento, o almoço, as "patrulhas" de moto quatro e motorizada, a sinalização excelente, os duches... não deixam dúvidas quanto ao esforço e à atenção a todos os pormenores. Estava tudo IMPECÁVEL. Correu TUDO de forma excelente.

Para o ano, contem comigo!

5 Comentários:

Anónimo disse...

Bem, parece que a coisa foi ainda melhor do que esperavas! E, importante, bem organizada!
Quem sabe se para o ano não irá mais um no grupo!!!

Abraço

BruMau disse...

Boas... Realmente foi fantastica a nivel de organização a Prova das melhores em que nós (Mularaiders) participamos senao mesmo a melhor (Muito melhor que a do passado fim de semana para o campeonato nacional em Tabua). Parabens pela prova e pelo entusiasmo que demonstras no teu post. Aproveito para te convidar a dar uma vista de olhos no nosso Blog www.mularaiders.com , somos de Santa Maria da Feira. Abraço e Boas Pedaladas

Daniel Bastos disse...

A descrição está excelente porque retrata a realidade conforme foi sentida por mim! É verdade que o terreno estava muito "pesado" devido á lama. A organização estava excelente. Para consultar mais fotos http://www.oazbtt.blogspot.com/. Parabéns pelo post. Fiquem bem

BruMau disse...

Bem, vim só cá deixar um abraço a mais um BTtista da nossa zona. Tal como foi dito, adorei esta prova... venha a próxima.

Parabéns pelo blog e entusiasmo, não os deixes morrer. Quando quiseres vir para os nossos lados, é só dizer.

André Resende disse...

Parabéns..
Com esforço, mas chegaste ao fim dos 40km´s!!
Tenho um colega que aos 6km´s partiu o cabo do desviador.. ainda tentou seguir.. mas era quase impossível!azares..
E eu que podía ter ido..=S